No largo do coreto, em Alvito, ante uma plateia atentíssima, aventámos poemas e músicas.
Depois, partilhámos pão, queijo, vinho, um gaspacho feito a preceito e aquela massa fantástica feita pelo Carlos. Mais partilhámos... conversas e vontades e sentires.
Contar e Cantar esta terra, dar voz às sagradas palavras que constroem um poema e buscar em cada um deles o não escrito, porque impossível para o poeta.
São os momentos desta Nova Antologia de Poetas Alentejanos;
Presentes estavam o António João, Presidente da Junta de Freguesia de Alvito a Arlinda dos Mártires, poetisa Alvitense, e ainda o Presidente da Câmara de Alvito; todos excelentes anfitriões; depois estava aquela moldura humana a embelezar a praça; pessoas afáveis e com um enorme respeito pela poesia; não é vulgar uma plateia tão silenciosa...
O Manuel Casa Branca, autor da maior parte dos desenhos da Antologia, falou-nos da flor de esteva e de como desenha e pinta poemas;
A Margarida Morgado emprestou a sua voz e energia a uma meia-dúzia de poemas, como só ela sabe fazer;
A Arlinda cantou-nos o seu poema "Além-Rio", acompanhada pelo Carlos;
O Eduardo falou-nos do nascimento desta Antologia e de todo o percurso até chegar a nós; A Ana Neto, qual borboleta luminosa, lá andava com a sua máquina fotográfica tentando agarrar o tempo... de que vos deixamos alguns registos.
Depois, houve ainda "poemas à guitarra";
Desde Vitorino Salomé a Arlinda dos Mártires, passando por José Luís Peixoto, João Cágado, Eduardo Raposo, Vítor Encarnação, Elisa Valério, Jao Suão e tantos outros...que foram ditos, sentidos e amados, como o poema deverá ser: com o coração em cada palavra.
Fechámos a tarde com a voz e guitarra do João, que partilhou com toda a gente os seus poemas e a sua música.
Ao serão, continuámos com música e poesia e conversas fantásticas que lavam a alma e nos enriquecem; foi bom reencontrar a Rosa e conhecer a Dora; foi bom dizer poesia para as pessoas de Alvito; foi bom Estar e Ser.
Bem-hajam!
MOMENTOS
II - O Tempo e a Espera
Salúquia espera como Helena de Tróia
Sob o olhar atento das Parcas
A moura fia um lençol
Que servirá à consumação do noivado
Sob o olhar atento das Parcas
O lençol continua inacabado
De olhar lânguido dedos finos aplicados
Com dedicação e paciência de Helena
Salúquia corta os fios de cabelo
Para o lençol de rendas e bordados
Sob o olhar atento das Parcas
Salúquia corta o cabelo entrançado
As tranças ficam cada vez mais finas
O lençol ficará inacabado
Salúquia vestiu-se a rigor
Falou-lhe a lua que a cor devia ser branca
Tudo alvo transparente claro
Apenas o cabelo entrançado
Sombrearia o toucado
As sandálias brilhantes
Não tocariam o chão
A noite era de todas as luas
O que era claro ainda mais embranqueceu
O brilhante em luz se transformou
Como a metamorfose neblina água vapor
Salúquia subiu à torre e a noite enlouqueceu
Tomou tudo como breu sem lua nem luz
Sem moura tudo desapareceu
Tudo escorria vermelho
Vestido túnica toucado
Pés mãos rosto cabelo
De um líquido sanguíneo
Sonho ruim pesadelo
No cais do desespero das ameias do castelo
Salúquia invencível pediu à chuva que chovesse
Chuva que estás no céu figurada
Leva-me este escuro lá bem longe onde
Não faça perda nem dano
Onde não haja
Nem cadelhinho de lã
Nem raminho de oliveira
Nem vento
Nem sopro de gente
Para sempre...
(Elisa Valério, in Nova Antologia de Poetas Alentejanos, pp 84)
Rosa de Outono
Tu que passas e ergues para mim o teu braço
Tu que olhas e permaneces solitário nos meus passos
Procuras o paraíso nas flores do meu prado
Eu sou o calor do teu lar nas noites de inverno
Tu que procuras o cantar dos pássaros no meu jardim
Tu que permaneces oculto e procuras por mim
Nas profundezas de um céu azul que te escondo
Na delicadeza do bailado das searas ao vento
Eu sou a sombra amiga que encontras
Quando caminhas sob o sol quente de Agosto
São os meus frutos a frescura apetitosa
que te sacia a sede em meu rosto
Tu que passas e me olhas como horizonte sem fim
Tu que bebes minha sede como se a água fosse véspera de mim
Olha-me com a paixão trémula de uma primavera
E faz de mim a paisagem colorida à tua espera
Eu sou a rosa de Outono que te abriga
Dos ventos fortes do Sul
E o meu leito é um sorriso límpido
A voar de mansinho no teu céu azul
(João Cágado, in Nova Antologia de Poetas Alentejanos, pp 154)
Além - rio
Além-rio floriram maios
Da beira da estrada velha
Onde pasta ainda a ovelha
E o cão persegue os gaios
Na sombra da azinheira o pastor
Rumina sonhos de cidade
E vê nas oliveiras sem idade
Corpos de mulher prenhes de amor.
Meus olhos de água vertem
Cansaço de sonhos por achar
E revivem no enlevo do pastor
Contos de príncipes que não existem
Que se perderam no mar
Além-rio maios em flor.
(Arlinda Mártires, in Nova Antologia de Poetas Alentejanos, pp 68)
Metamorfose da Viúva Negra
Sou negro nas avenidas solarengas do apartheid
Sou cristão entre dgilabas e burkas em Teerão
Sou órfão e viúvo em Bagdad
Sou pai no Minnesota de soldado que morreu
Pela liberdade ocidental em Bassorá
Para conquistar o combustível que arrebatam
E as papoilas que compram as bombas que nos matam.
Sou um farrapo humano atrelado ao riquexô
Suando apressado sob o sol de Bombaim
Enquanto passeio o turista de ar feliz
Que sonha ainda os sonhos do império
Mais insondáveis que o mistério
Em busca nostálgica do açafrão e do jasmim.
Sou índio Yanomani da Amazónia
Sou mineiro escavando nas galerias de carvão
Sou um esquimó expropriado no Alaska
Porque me dizem que tenho hambúrgueres quanto
basta
E sou igual ao cidadão que vive no Nebraska
Enquanto bebo, etilizado para esquecer o que perdi
E tenho a ilusão que tenho o sol e é sempre Verão.
Sou camponês transmontano na montanha
Jornaleiro nas planícies fraternas mais a Sul
Num país que se chama Portugal
De colinas e vales verdejantes
De planícies de ocre e sol escaldante
Onde outrora semeava trigo e milheiral
Onde o pão que colhia com as mãos
Das terras onde nasci, onde cresci e perdi
Vendo emigrar os companheiros, filhos e irmãos.
Sou imigrante sem direito de passagem
Senão o de alimentar a combustão deste país
Jangada à deriva aquém de uma fronteira
De guardiões sem bússola, do tempo e da razão
Que navegam à bolina sem ver terra
que traçam o destino a pó de giz.
Sou migrante sem direito de passagem
nem liberdade cidadã para escolher minha viagem.
Sou pescador sem ter barco e sem ter mar
Vendo tanto mar e tanto azul
Sabendo que há cardumes que não pesco
Que outros homens pescam e eu perdi
Olho as ondas onde antes naveguei
Recordo em sonhos as aventuras de mar alto
Lembro as tempestades que venci
No meio de tanto mar e tanto azul.
Vivo o futuro incerto
E o presente em sobressalto
Este país que não tem norte
Este país que é padrasto olhando o sul.
Mas sou um, guardador de sonhos e de esperança
Que semeia em cada noite em cada dia
Porque sei que a vida é tempestade e é bonança
E pode ser de novo uma e outra vez
Dança, arraial e alegria
Arco-íris da aventura humana
porque a vida é mudança e é magia.
(Jao Suão, in Nova Antologia de Poetas Alentejanos, pp 140)
Ouça algumas das músicas
Gosto! Bela tardada! :)
ResponderEliminarA tarde , a noite e assim é uma riqueza ter amigos. A música está excelente e cada um a dar um pouco do seu melhor se faz um encontro à maneira. Abraços
ResponderEliminarNem mais, Manuel! E venham mais;
ResponderEliminarum abraço:)