Nova
Antologia de Poetas Alentejanos em Castro Verde
Há as
apresentações da Nova Antologia de Poetas Alentejanos e há as
histórias de cada uma dessas apresentações.
Gosto de as contar.
Porque entre um
lugar e outro, há o caminho, e aqueles preparativos que se vão
transformando em rituais.
Depois, há aquelas
frases que nos ficam na memória das viagens: “ já viram este céu?
As pessoas nas cidades não têm um céu tão grande como este...”
dizia o Manuel; e é verdade; o Alentejo tem um céu grande; a gente
vê terra e céu e consegue sentir-se verdadeiramente parte do
Universo.
A Margarida cantava “...Óh
v’zinha tem cá lume p’rá cender meu candeeiro..., sabem
esta?" E lá fomos conversando e cantando, ganhando terreno à chuva e
ao vento, rumo à Biblioteca Manuel da Fonseca, em Castro
Verde.
Castro Verde é esta terra de vagares, de gestos
puros e olhares imensos. No meio da planura alentejana, com a
simplicidade de quem oferece a mesa e cultiva a amizade.
Depois de ler esta
afirmação num desdobrável do posto de turismo de Castro Verde,
quase não consigo dizer mais nada. É que há frases e palavras que
nos assentam na pele.
Há sítios onde a
gente chega e sente que está em casa. E pessoas que o nosso coração
aceita de imediato.
A Biblioteca Manuel
da Fonseca é bonita, tem excelentes condições de acústica e,
sobretudo, é gerida e mantida por pessoas que amam o que fazem.
Não posso deixar de referir o Museu da Ruralidade em
Entradas,
http://aldrabaassociacao.blogspot.pt/2011/07/inauguracao-do-museu-da-ruralidade.html
e a excelência daquele jantar na taberna do museu, o acompanhamento
e apoio exemplares das entidades oficiais locais, afinal e sobretudo,
as pessoas, sempre as pessoas... por elas e com elas seguimos armados
de poemas e música, na busca incessante de um lugar, comum a todos
os homens e mulheres, lugares da poesia, lugares da alma.
(Teresa Cuco)
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1 |
Poemas lidos em
Castro Verde
ESTRADAS
Não era noite nem
dia.
Eram campos,
campos, campos
abertos num sonho
quieto.
Eram cabeços
redondos
de estevas
adormecidas.
E barrancos entre
encostas
cheias de azul e
silêncio.
Silêncio que se
derrama
pela terra
escalavrada
e chega no
horizonte
suando nuvens de
sangue.
Era a hora do
poente,
quase noite e quase
dia.
E nos campos,
campos, campos
abertos num sonho
quieto,
sequer os passos de
Nena
na branca estrada
se ouviam.
Passavam árvores
serenas,
nem as ramagens
mexiam,
e Nena, para lá do
morro,
na curva
desaparecia.
Já da noite que
avançava
os longes
escureciam.
Já estranhos
rumores de folhas
Entre as esteveiras
andavam,
quando, saindo um
atalho,
veio à estrada um
vulto esguio.
Tremeram os seios
de Nena
sob o corpete
justinho.
E uma oliveira
amarela
debruçou-se da
encosta
com os cabelos
caídos!
Não era ladrão de
estradas,
nem caminheiro
pedinte,
nem nenhum maltês
errante.
Era António
Valmorim
que estava na sua
frente.
- Ó Nena de Montes
Velhos,
se te quisessem
matar
quem te havera de
acudir?
Sob o corpete
justinho
uniram-se os seios
de Nena.
- Vai-te António
Valmorim.
Não tenho medo da
morte,
só tenho medo de
ti.
Mas já a noite
fechava
a saída dos
caminhos.
Já do corpete
bordado
os seios de Nena
saíam
- como duas flores
abertas
por escuras mãos
amparadas!. ..
Ai que perfume se
eleva
do campo de
rosmaninho!
Ai como a boca de
Nena
se entreabre fria,
fria!
Caiu-lhe da mão o
saco
junto ao atalho das
silvas
e sobre a sua
cabeça
o céu de estrelas
se abriu ...
Ao longe subiu a
lua
como um sol inda
menino
passeando na
charneca ...
Caminhos iluminados
eram fios correndo
cerros.
Era um grito agudo
e alto
que uma estrela
cintilou.
Eram cabeços
redondos
de estevas
surpreendidas.
Eram campos,
campos, campos
abertos de espanto
e sonho ...
(Manuel da Fonseca)
nota: Manuel da Fonseca dispensa apresentações; poeta grande do Alentejo e suas gentes; tive a ousadia de o declamar, em jeito de homenagem aos presentes e ao espaço (Biblioteca Manuel da Fonseca) com todo o meu amor;
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2 |
Aromas
Não adormeças:
não assim e não aqui,
onde o aroma das
falésias
nos escorre pelos
ombros
e o vento do Verão
se atrapalha
a morder o azul dos
telhados.
Não adormeças,
peço-te:
é tão cedo e
ainda as sombras
desfilam na cal dos
muros
para provar os
frutos que deixámos na mesa
onde há muito se
perderam os gestos.
Não vás, que os
morangos ainda me sopram
frios na ponta dos
dedos e ainda é tão cedo
(é sempre tão
cedo) e por isso te peço:
Não vás,
que agora já o teu
corpo é um barco
naufragado no meu
corpo
e a tua ausência é
o meu partir.
(João Paulo Coelho
in Nova Antologia dos Poetas Alentejanos, pp 166)
nota: João Paulo Coelho nasceu em 1987 na cidade de Évora, onde habita.
É um dos mais jovens poetas desta Nova Antologia. Gosto de o dizer.
(autoria das fotos 1 e 2: Filipe Pratas)
outros autores lidos nesta sessão:
Arlinda Mártires
Eduardo Raposo
Jao Suão
Manuela Parreira da Silva
Margarida Morgado
Maria José Lascas Fernandes
Maria Vitória Afonso
Miguel Rego
Teresa Cuco
poemas ditos por:
Eduardo Raposo
Manuela Parreira da Silva
Margarida Morgado
Maria José Lascas Fernandes
Maria Vitória Afonso
Miguel Rego
Paulo Ribeiro
poemas cantados por:
Arlinda Mártires e Carlos Bull
João Cágado e Manuel Dias
Nuno do Ó
Paulo Ribeiro